O Máquina - A Oficina
Professor ferramenta:
–meus alunos –[porcas e
parafusos] –gostaria que vocês se esforçassem mais, prestassem menos atenção na
chapa e prestassem mais atenção em si mesmos, na importância que vocês são uns
para os outros
O máquina é um aluno mais gordinho que os outros, ele senta mais atrás,
tem um tique nervoso. Ele Tá sempre prestando atenção nos sinais que o
professor faz, por isso, tá sempre processando. E pergunta
–professor, isso está em que
parte do manual?
F –não está no manual, máquina. Só estava ensinando a vocês serem mais
produtivos
M –o senhor está. –e faz um tique nervoso.
F –eu sei, mas tava tentando ensinar a você ser mais ainda.
M –o senhor é uma imagem holográfica.
F – eu sou um circuito impresso.
M –sua função é marcar posição e a minha é seguir o fio do metal: seja
um bom soldador, e eu serei uma boa impressão digital.
F – era isso que eu estava falando, máquina, da função social. Que bom
que você entendeu. Até melhor que eu. A cobrança nos levará a um estado de
desconfiança, que nos fará produzir sempre mais.
N.A.: O Máquina é um diálogo entre o Católico e o Protestante: análogo
ao Ferramenta e o Máquina: análogo a Senhor e servo: análogo a Democracia e
Capitalismo, a Criador e criatura.
Carta ao Artista – II:
“Oi man,
Recebi aqui as imagens. Os parafusos ficaram muito legal, o do computador também, principalmente a carcaça.
O máquina, na realidade, ele é o Processador: e ele simboliza também a torre, o gabinete, que chamamos de computador: mas de fato, o computador não é só isso, ele é monitor, teclado e mouse, e os demais periféricos. Explicar um processador é complicado, mas ele é, ao mesmo tempo, uma entidade lógica e uma entidade física. Lógica porque dispõe meios magnéticos pra armazenamento. Muita gente não sabe, mas o processador possui firmware, muito parecido com a bios da placa-mãe. Antigamente essas coisas eram separadas havia a placa lógica: isso foi na origem dos circuitos integrados. Eles fundiram tudo isso com a idéia de barramentos, onde todos os circuitos são ligados ao processador. Por isso, mesmo hoje, explicar de fato o que é o processador e o que ele faz, é complicado: mas basicamente, é nada mais do que associar zeros e uns em sequência binária: e passou a se chamar de BIT, que são convertidos em linguagem hexadecimal [letras e números] e converter tudo isso em sinais elétricos. A tudo isso, se chamou Processamento, de onde vem o nome Processador. E curiosamente, essa é a função do cérebro humano:processar. Não é uma definição minha, mas como é entendido.
No entanto, a idéia de conhecimento é externa ao processamento: E isso, na imagem, é entendido como o Sistema Operacional, a ferramenta indica que aquilo tudo foi construído por alguém.
O sistema operacional é a religião, no caso o Cristianismo. A dificuldade no desenho está pela sequência de interpretações, que eu chamo de polarização: uma forma de racionalizar, que não é dialética.
As palavras possuem um espírito, a isso eu chamo de Juízo, e elas possuem um corpo, um Propósito: e é nesse sentido que o processador, o qual eu chamei de O Máquina, ele é uma imagem integrada, de corpo e espírito, pois ele representa o Processador, uma unidade física central na placa-mãe, ele normalmente possui a forma achatada: no desenho ele possui a forma de cubo, porque ele representa também o chassis da máquina, a torre, o gabinete, que geralmente tem a forma retangular: a forma de cubo refere-se ao fato de que em meus desenhos, o propósito possui a forma de cubo, e o juízo a forma de um triângulo: o juízo é o espírito e o propósito é o corpo. É evidente que corpo e espírito não podem ter a mesma forma, por se tratarem de formas diferentes.
O cristianismo não deu uma explicação clara sobre corpo e espírito, pela introdução de um conceito enigmático: a mente, de onde vem o superconceito de consciência. No entendimento do desenho, ela ocorre quando tudo está em funcionamento. E é basicamente o diálogo que acompanha o desenho: é uma sala de aula, local onde ocorre o conhecimento: e na máquina, esse momento ocorre quando aparece a imagem no display: a visão. O cérebro humano manipula letras, palavras e sequências de palavras: isso é um estado de consciência: aquilo que você vê é a consciência: por isso, os olhos no processador: ele representa a máquina também, dando a entender que a máquina possui uma consciência. E os olhos humanizados representa o ser humano: que só poderia ter criado uma máquina à sua imagem e semelhança: e a ferramenta, o espírito dessa máquina, aquilo que de fato ela representa pro ser humano: foi criada pra servir: servir ao homem do mesmo modo que o homem serve a Deus: executar tarefas, produzir trabalhos, processar: quanto maiores os processos, maior a produtividade, que tem que estar em concordância com o sistema operacional.
A crítica, e isso não está propriamente contextualizado na imagem, está na escrita: a cobrança, e a ironia está no fato de que a máquina pode chegar ao nível de estágio de cobrar do homem, seu Senhor, maior nível de produtividade também. Mas isso é entendido como uma consciência plantada na terra, porque foram os fatores de produção Terrestres que propiciaram ao ser humano tal desenvolvimento e sustentação. Se o conhecimento tá sendo ou não bem direcionado, se a exigência da velocidade, aumentando o nível da racionalidade humana, possui ou não tal eficiência, só comprova que, cada vez mais, o ser humano está virando a sua própria criação: uma máquina: se essa foi a sua forma de garantir a sua sobrevivência, e isso por si só se define como inteligência, tamos muito perto de saber.
Quando o desenho se forma, nunca é algo que eu procurei fazer, sequer tensionava, um diálogo começa simplesmente do nada, e geralmente eu já sei do que se trata e corro, pego um papel, caneta ou lápis, e começo a escrever, e no meio da fala começa as imagens, mas meio que sem definições. À medida que o diálogo prossegue, as imagens vão se definindo e começam a aparecer. Quando o diálogo se encerra, a imagem toda tá formada. E uma Inteligência cósmica explica sobre o que foi feito, e é desse jeito que eu aprendo, se isso pode se chamar de aprendizagem. Mas não foi algo que eu sentei pra fazer, colando idéias daqui e dali e buscando resultado. Esses desenhos que a gente tá tentando customizar são todos assim, vem do além, não tem uma explicação pra isso. Depois, acabo descobrindo que aquilo está contrário a uma regra geral: por isso, tenho muito cuidado em anotar direitinho as falas, identificar os personagens, e um respeito muito grande em não mudar –porque não entendi ou porque não me parece claro: eu realmente sigo a réplica original do que foi falado e daquilo que foi mostrado: porque, se eu mexer uma parte do desenho, a imagem original muda outras partes também. Do mesmo modo, se eu mudar frases, muda a imagem também.
Esses desenhos também são cercados de cores e sons. Quando o processador fala, ele acende uma luz, avisando que aquilo estava sendo processado. Várias coisas interagem e, é um momento único de você entender como som, cor e forma possuem uma incrível inter-relação: e o perigo que existe em você fazer uma divisão de tarefas em um processo criativo, entendendo aquilo como um processo produtivo.
Tou te falando tudo isso por causa da cobrança, principalmente nos desenhos que envolvem rostos: porque se eu mudar uma pestana daquela coisa, vai mexer em tudo. E tenho que me conter muito quando, por algum motivo, não gostei de alguma coisa específica: mas o que eu aprendi, se é que isso se pode chamar de aprendizado, é que essas coisas naturais, que eu chamo de passagem, não podem ser mexidas, porque simplesmente, você descompreende aquilo que foi percebido.
Tou mandando em anexo uns desenhos e algumas outras imagens que sintetizam melhor esse personagem O Máquina: o olhar do máquina é um pouco de questionador, o símbolo da Bad Boy, pestana meio inclinada pra dentro.
Quando vi o desenho pela primeira vez, fiquei encasquetada também, por que aqueles olhos foram parar ali, e por que os outros não tinham olhos: mas é algo que já ficou entendido, porque já foi dito: ele representa também uma parte espiritual: a parte do ser que possui a visão, enquanto as outras partes fazem parte dos elementos corporais: Por isso, corrosivos, flexíveis, inexpressivos, não vêem, não possuem consciência, são parcialmente mortos, com uma vontade subversiva. Queria botar olhos neles, pois ajudaria nas suas expressões corporais: mas eles de fato não tinham. E gostei muito da tua proposta de olho na carcaça. E de fato, o que eu queria era uma carcaça desenhada, pra depois a gente preencher com os elementos também desenhados. Mas na altura dos acontecimentos, refazer isso também daria muito trabalho. Faz só o desenho do máquina com os olhos, eles são olhos digitais, não tem cavidade, são meio que impressos na própria máquina mesmo: talvez por serem olhos espirituais. Talvez as máquinas olhem pro ser humano desse jeito, cobrando mais juízo, mais perfeição, mais respeito.
Uma coisa acontece quando o processo de criação é entendido de uma forma produtiva. O que é isso exatamente[?]: A divisão de tarefas. A linha de montagem é um momento a ser fotografado: a separação e a integração da imagem: você separa aquilo que não presta e integra aquilo que é necessário: essa é a noção mais simples que se tem de produtividade: pois é nela que você separa o defeito e integra o perfeito, para compor uma unidade. E nesse momento, várias coisas acontecem: e entre elas, a limitação do artista, limites pessoais, seu entendimento da criação e, sobretudo, aquilo que deve ou não ser criado, limite este porque ele se torna intérprete de sua própria obra. Isso opera não só no plano perceptivo, a nível de sentidos, mas na divulgação de suas idéias. Já havia dito que toda arte é política, de modo a considerar Cristo um artista: ele veio pra separar e integrar: é dessa forma que deve ser entendido o Universalismo, o Judaísmo e o Cristianismo: dois momentos de uma única coisa. E a isso se chamou ‘o instante da arte’.
Essa concordância, ou, discordância, está presente na arte: o artista está refém de seu tempo e de seus próprios pensamentos, uma autocensura vem tacitamente inicializada, à medida que a sua arte começa a ser interpretada. Isso aconteceu com Daniel e aconteceu com João: problemas de interpretação, do modo que, imediatamente, uma veiculação ocorre em paralelo, funcionando como janela da verdade. É algo que, definitivamente, aborrece a divindade: a incompetência, a falta de paciência e incompreensão. E em determinado ponto, você é levado a pensar que o artista não sabe o que viu, ou, que enlouqueceu: perdeu a noção da realidade: Isso ocorre porque o artista é forçado a buscar uma identificação, motivo pelo qual ele não seria reconhecido: a realização é entendida como uma obrigação com o coletivo: a Igualdade, algo que não existe no mundo natural.
O outro fator-limite vem de fatores externos: e esse é, basicamente, o problema aqui relatado, digo: não sou um bom desenhista, em muitos casos, preciso de um especialista: e aí vem o aborrecimento com o artista.
Havia dito em outro tópico que Michelangelo foi forçado a pintar a Capela Cistina, a concepção: ela anda de braços dados com a razão. E a consequência disso é a inspiração: ela passa a fluir dentro de um projeto, e é nessa hora que se busca um resultado, não apenas uma expressão. É nesse ponto que eu discuto o mérito do artista: o que de fato é seu, se ele intuiu ou refletiu. Seus sonhos não são meros reflexos da realidade, realidade essa que possui vontade, e vontade essa que possui valores morais, traçando limites a sua consciência.
Por isso, questiono do mesmo jeito a experiência do divino: o quanto estava embutido um resultado a ser obtido[?], o quanto de fato o artista foi fiel, o quanto ele modificou daquilo que sonhou[?], além do mais, quando não foi ele que de fato o fez: entregou a terceiros, que sequer de fato o conheceram.
O que eu digo é que, de fato, a religião, a Bíblia em si, chama muita coisa de “Divino”, coisas estas que não passam de simples racionalidade, sequer considero arte, quanto mais, verdade: no máximo, o artista, o profeta, o messias, o mensageiro, sequer sabe ao certo o que viu, não se trata de um questionamento, mas um posicionamento contrário a fé, que impõe verdades ao consciente, muita transpiração e muito pouco inspiração, dizemos que aquilo lhe parece bonito ou adorável, lhe possui algum sentido, mas é inevitável desperceber o compromisso: a existência da arte compromissada: é quando eu digo que arte e política são a mesma coisa. E a dificuldade aqui relatada é a Ferramenta, mecanismos de Criação: de fato, as porcas e os parafusos que pedi ficaram ótimos, mas o processador ficou dissonante, e a carcaça do computador não integra com as imagens: por melhor que seja a ferramenta, o Photoshop é uma boa ferramenta: mas possui limites também, você pode eventualmente recorrer a presets, mas estes presets já estão compromissados também: e recorrer a um especialista raramente fica bem: por motivos que já foram falados: entendimento, compreensão, talento e concepção: em determinado momento você é levado a crer que está diante de um enorme aleijão: é dessa forma que eu entendo a religião: Um enorme Aleijão, algo que foi mexido, modificado, submetido a uma linha de montagem: e como já foi falado, a Bíblia é o único e o principal roteiro de todo e qualquer artista.
No trabalho em questão, optei por manter os meus parafusos, as minhas carcaças, porque usaria um conceito integrativo, e sempre que faço algo, procuro uma harmonização: e isso envolve formas, cores, em sintonia com os elementos ali presentes, abro mão da perfeição, mas procuro conservar aquilo que foi visualizado.
De tudo que foi falado, a essência está no diálogo e no desenho, é algo que deve ser pensado: a ferramenta, e o uso das mãos, como elemento único da consciência:
Por que o ser humano é o único animal que usa ferramenta? O que é de fato a ferramenta? Por que a dependência e, por que é graças a ela o motivo de sua sobrevivência? Qual a diferença entre a enxada e o computador?
É quando se percebe que a Ferramenta é o Propósito, que o Juízo lhe deu. É dessa forma que deve ser entendido o Processador: a Unidade em processamento: O Máquina, ou simplesmente, uma consciência construída na terra.
Por isso não quero que tu fique chateado comigo, por toda essa informação que eu te passei, todo mundo é um artista em suas definições. O desenho dos olhos ficaram bons, mas não ficaram iguais ao olhar que eu te passei, tem que ser olhos de máquina, mas tem que ser humano também. Por isso eu vou precisar de outra ferramenta pra construir O Máquina outra vez. Penso que tu entendeu meu comentário, eu não tou te criticando, eu sei que tu podes discordar de tudo que leu, mas a idéia é algo fundamental em qualquer projeto, tem que ser aquilo que o dono pediu. Eu penso que isso ficou claro, naquilo que O Máquina e O Ferramenta discutiram também. E foi como eu entendi esse trabalho, nem precisava te escrever tudo isso, eu digo, não foi um trabalho à toa, até porque eu trabalhei também, eu falo como algo desnecessário, a explicação, ela está toda ali, no fio do metal. Quando o desenho ficar pronto, eu mando uma cópia pra ti também. Eu penso que ficou claro o computador, eu fui a ferramenta e tu o processador.
Então, man, best regards,
Grande abraço.”
Carta ao Artista é um trabalho escrito em 2010 e publicado em 2015 que expressa uma retórica afiada de época, onde o monólogo é autoexplicativo, sobre aquilo que para mim parecia algo incompreensível, a Ideologia. Mas eu mantive o limite de todo o entendimento que eu tinha, em meio a tecnologia e religião. Alguns de meus trabalhos mais antigos eu mantive, em um trabalho de reedição, acrescentar coisas apenas possam ter um melhor entendimento, que possam ter gerado algum tipo de distorção, no latu sensu de um melhoramento, que é basicamente alguma coisa que ficou faltando.